quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

LIVRO "NEM CÉU NEM INFERNO" PARTE 11

E pensar que eu estava ali por vontade própria, ninguém havia me forçado, eu simplesmente havia cansado daquele velho mundo, daquela velha vida, e quando busquei algo novo e encontrei, não hesitei, fui até o fim, estou indo até o fim. Mesmo sem saber se isso realmente tem um fim.
Ainda sinto muito remorso por tê-la matado, ela era tão boa, não merecia aquilo. Eu passei por cima de tudo pelos meus interesses, minhas vontades, eu fui completamente egoísta só por causa de um desejo bobo de fugir. Às vezes, quero dizer, sempre, desde então, tenho a certeza de que fui extremamente covarde, e ainda quero consertar esse meu defeito. E ainda vou consertar esse meu defeito.

-Mamãe! Mamãe!
Foi essa angústia bradada que interrompeu o meu momento de reflexão e me fez voltar à realidade. A gorda havia achado a cova, e dentro dela jazia o corpo da mãe. Uma monstra. Três vezes maior do que a gorda. Tanto que a gorda, agora, parecia magra. Quase um palito. Nem tanto, talvez.
Enquanto eu e o garoto beberrão observávamos o drama da gorda, que sem sucesso algum, tentava içar o corpo da sua genitora. A Valquíria nos encarou com seus olhos felinos e fez sinal para que continuássemos a busca.
A caminhada parecia eterna, eu, juro, não aguentava mais ver tantas cruzes. Até o garoto beberrão desistiu de chorar. Sentia até certa bravura emanando ao seu redor. Algo perto de um sentimento de coragem. Em alguns momentos parecia até estufar o peito, para que não restassem dúvidas de que ele se sentia o próprio Dom Quixote*.
-Ali! Gritou o mais novo garoto destemido. Parecera achar a sua cova.
A Valquíria parecia inquieta, olhava ao redor, denotava demasiada ansiedade. Não se conteve e lançou-se ao chão. Com uma ligeireza descomunal, escavou a cova do menino e, só então foi revelado o que estava a sete palmos do chão. Um cão.
-Algodão! Meu Algodãozinho! Juro, contive a gargalhada com toda a minha força, pois o garoto revezava entre momentos de pranto inconsolável e berros ensurdecedores. Dessa vez nem foi preciso a Valquíria fazer sinal, eu corri, voluntariamente, o mais longe possível para, enfim, liberar toda aquela vontade presa dentro de mim, e soltar gargalhada mais alta que dei em toda minha vida. Apesar de morto.
Após me sentir aliviado, continuei andando, e, só então, percebi que a Valquíria havia sumido. Ela me abandonou. Senti um calafrio como daquele quando caía no precipício.
Olhei ao redor, e sem saber o que fazer, me sentei. Fiquei assim por um longo tempo. Em certo momento começou a chover e eu fiquei ali na mesma posição. Parou de chover. Começou de novo. Até que, curioso, olhei para o lado e só então, percebi que havia sentado em cima da minha cova. O calafrio retornou e fiquei petrificado. Não sabia o que esperar. Quem será que estava enterrado ali?
A cada porção de terra que eu retirava, mais e mais eu tinha certeza de que o que me esperava, não era, de modo algum, algo que eu esperava.

*Dom Quixote - Romance escrito por Miguel de Cervantes, escritor espanhol, o qual narra a história de um fidalgo, Dom Quixote, que decide se tornar um herói dos romances de cavalaria.

Um comentário:

Tempestades de ideias! disse...

Nossa, a cada capítulo uma surpresa.
Esse livro tá extremamente, magnifico. Pena que nas melhores partes você para. Mas acho que é isso que dá um 'quezinho' de quero mais. Espero me surprender ainda mais, e também espero que você não demore tanto pra postar novamente, rs.
Teamo, Huguinho dlç. \o/
auehaue'♥