domingo, 29 de novembro de 2009

LIVRO "NEM CÉU NEM INFERNO" PARTE 10

Estávamos todos concentrados, talvez pensando em uma resposta para a questão de outrora, quando uma parada brusca fez todos se olharem e denotarem a sensação de pavor.
-O que aconteceu? Alguém atrás de mim questionou.
-O que aconteceu? Todos em uníssono.
-Socorro! Começou uma pequena garota sentada atrás da gorda.
-Socorro! Socorro! Todos em uníssono.
De repente, fez-se silêncio novamente. A gorda levantou, saltou da Argo e fez o chão estremecer. Nos encarou com extrema fúria:
-Desçam todos! O único jeito é seguir pelo caminho que a Argo, supostamente deveria fazer!
Eu não hesitei e me juntei à gorda. Aos poucos, todos foram descendo e formando um bando de medrosos ao redor daquela montanha de gordura.
-Me sigam! Divulgou com orgulho a sua coragem.
Enquanto íamos caminho a dentro, o céu se cobria de um manto acinzentado e começava a bravejar, trovejando. Parecia que uma densa chuva nos aguardava. Eu não me preocupava muito se havia algum perigo por ali, afinal, até onde eu sabia, eu já havia morrido e naquele instante, passeava como uma leve alma, fantasma, espectro, ou qualquer coisa do tipo.
-O que é aquilo? Questionou a mesma pequena garota.
Todos olharam fixamente e notaram algo, de descrição quase impossível, algo que fazia arrepiar até mesmo nossa alma. Era coberto de sangue por toda a sua extensão corporal, derramava sangue das suas três enormes bocas. E conforme ele emanava algum som que jamais ouvira antes, era possível ouvir gritos de socorro de onde provavelmente seria seu estômago. Não possuía olhos, orelhas, nariz, cabelo. Somente uma enorme cabeça com três grandes bocas recheada de dentes. O corpo, inacreditavelmente, se equilibrava em cima de três patas ou algo parecido.
-O que fazem aqui? Indagou a criatura.
Olhei espantado, assim como todos, ao ver que “aquilo” falava.
-O que fazem aqui? Repetiu.
-Nós estávamos naquela máquina – apontou a gorda trêmula.
-E o que faziam ali?
-Não sei! Cheguei a acreditar que ela ressuscitaria de tanto medo que aparentava.
A criatura começou numa metamorfose complexa e agonizante, até que surgiu de tudo aquilo um pequenino ser. Era Morfeus fazendo piada. E eu respirei aliviado. Ele se aproximou de mim e por meio de gestos pediu que todos subissem no seu dorso. Não entendendo como tanta gente caberia naquela pequena estrutura quase externamente óssea, não subi e esperei alguma reação.
-Subam logo! Morfeus ordenou assim que se transformou num grande e obeso híbrido sapo, cheio de escamas e com dois imensos dentes caninos.
Todos subiram e, imediatamente, o sapo começou a saltar por sobre a copa das árvores numa velocidade de maratona equina. Cada vez mais rápido. Cada vez mais rápido. Cada vez mais ráááápido.
-Vai mais devagar! Todos pediam em vão. O sapo não ouvia. E a cada clamor, mais um pouco corria.
A chuva começou a banhar todo aquele cenário e aquela criatura, tudo foi ficando muito escuro e embaciado. A visibilidade apesar de pouca, não diminuía a empolgação do sapo.
-Splash! E assim terminou a jornada. O sapo caiu em cima de uma enorme poça em frente a uma enorme árvore.
-Desçam! Ele ordenou.
Assim que nos posicionamos em frente a árvore, todos nós, o sapo sibilou, nos lançou uma piscadela e foi se embora saltando.
-Bem-vindos ao meu cemitério. Uma voz grossa, mas ao mesmo tempo feminina, se apresentava. Era a árvore.
-Como é de praxe, todos vocês receberão uma pá e se dividirão em seis grupos de três.
Todos parados, tentaram assimilar o fato de receber ordens de um tronco.
-Agora! Exclamou a árvore, perdendo toda sua compostura.
Começamos a nos dividir, a gorda se aproximou de mim, e mesmo que eu não quisesse, ela faria parte do meu grupo, assim como o garoto que chora sem parar. Meu grupo era esse. Uma gorda irritante. Um garoto covarde. Aliás, dois garotos covardes.
-Muito bem! Parecia ter enxergado toda a confusão para que a divisão ocorresse, apesar de não ter notado nenhum olho presente naquela árvore.
-Valquírias! Bradou a árvore e seis buracos se abriram no tronco.
De cada buraco surgiu algo demoníaco, com corpo de mulher e cabeça de gato. No lugar das orelhas, dois chifres. Cada uma se posicionou à frente de um grupo e de suas bocas expeliram pás.
-Muito bem! Cada um pegue sua pá. Vocês deverão entrar no cemitério acompanhado de suas Valquírias, que servirão de protetoras, mas elas não os guiarão. Achem cada um sua cova, dentro de cada cova um cadáver. Recolham-no e tragam-no aqui. Assim que encontrarem a cova, a Valquíria os deixarão, enquanto não acharem suas covas, não poderão sair do cemitério. Aquele que ousar escapar antes de cumprir o ordenado, terá sua alma anulada e, portanto, deixará de existir. Boa sorte!
Não sei o porquê, mas sentia um grande calafrio ao olhar para aquela imensidão de cruzes que se estendiam atrás do tronco, algo me dizia que aquilo não seria tão fácil.

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