Mostrando postagens com marcador Céu Inferno Cemitério Castigo Pecado Morte Vida História Livro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Céu Inferno Cemitério Castigo Pecado Morte Vida História Livro. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 22 de abril de 2010

LIVRO "NEM CÉU NEM INFERNO" PARTE 13

Conforme ia me acostumando com as novas formas corporais, percebi que o céu estava mudando e uma incrível nuvem cinza bradando ira pousou sobre nossas cabeças. Quase imediatamente, todos, num movimento harmônico, elevamos nossas recentes cabeças para o alto, e assim, pudemos acompanhar a ação que se seguiu.
-Já estou velho para isso! Desabafou um senhor de pele vermelha, barba e cabelos brancos, uma calvície perfeitamente centralizada ao topo, nariz protuberante, altura anã e um corpo magrelo. Carregava em uma das mãos uma corrente que puxava um caderno gigantesco, e em outra uma bengala de bambu velho, o qual se envergava de maneira a causar uma certa expectativa à espera de sua quebra, que não ocorria.
-Ãã...humm...Meus cumprimentos meninada! - O anão tentava se comunicar.
Todos iniciaram um silêncio profundo e meditativo, afinal, estávamos tentando compreender como aquele pequetito senhor surgira de um raio, oriundo da nuvem sobre nossas cabeças, que caíra.
-Ehhh...Olá galerinha!...Tudo em cima, pessoal?...Saudações multidão petiz!... – Infeliz, o anão continuava na sua tentativa de estabelecer contato.
Eu havia desistido de compreender o fenômeno relacionado à aparição daquela criaturinha velha e agora, tentava não rir da dificuldade que ele apresentava em se comunicar conosco.
Estranhamente, o velho parou de falar e começou a desenhar alguma coisa no chão. Com movimentos decorados e rápidos, ele agitava seu bambu, formando um pentagrama com vários símbolos complexos e ao final da coreografia murmurou:
-GARUDA NASCITUM!(Nasça Garuda!).
Do chão brotou uma flor gigante, parecida com a Raflésia dos livros de ciência, mas diferente da Raflésia comum, essa possuía a altura de um coqueiro. Dentro da flor algo se debatia, algo que voou para fora, e se revelou como um pássaro com as mesmas proporções de um cavalo. Pousou ao lado do anão e, assim, pude notar a sua suntuosidade, expressa em seu peito inflado, suas penas douradas, seus três olhos azuis, e seu bico negro.
Ainda assim, ninguém, além de mim, prestava atenção no velhustro, até ele arrancar com extrema ignorância uma das lindas penas do pássaro, suscitando um pio longo e ensurdecedor, chamando a atenção de todos.
-Obrigado Garuda! - Agradeceu o velhusco ao pássaro – Saudações, eu me chamo Ronove. Venho a mando do Sumo Conjurador e Rei da Terra Vermelha, Alister III, o qual deseja conhecê-los. Os guiarei até o palácio de Solomon, para que o encontrem.
Todos começaram a cochichar, excitados com o anúncio de um encontro com um rei.
- Silêncio! – Exclamou – Vocês terão que conjurar¹ os filhos de Sleipnir para seguir comigo até o palácio. Portanto, repitam comigo: “Filhos de Sleipnir, equinos divinos de força e rapidez colossal, conjuro-os em nome de Ronove, para que me emprestem suas habilidades com fins demoníacos.”
Timidamente, apenas um de nós repetiu o ordenado, logo, na frente dele surgiu um cavalo branco e olhos vermelhos, o qual prendeu a atenção de todos. O menino montou no cavalo após ele se curvar e, então, acanhado, exclamou:
-Nossa!
Admirando o sucesso do tímido garoto, nós repetimos também a conjuração, e fomos agraciados cada um com um cavalo branco de olhos vermelhos, tão graciosos quanto o primeiro que surgira. E só, então, em coro, exclamamos:
-Nossa!
Com um largo sorriso, Ronove montou na ave e voou baixo à nossa frente para além do cemitério. Automaticamente, os cavalos seguiram-no.
Após atravessarmos o cemitério e alcançarmos um vasto campo, nos entreolhamos agitados, pois já era possível avistar esboços de imensas torres, o que deveria, claramente, ser o reino.


¹Conjurar, segundo a Goetia, é a arte de invocar e evocar demônios.

segunda-feira, 1 de março de 2010

LIVRO "NEM CÉU NEM INFERNO" PARTE 12

Após retirar uma grande porção de terra com extremo esforço, pude notar a presença de um cadáver. Quem jazia ali? Era o que eu me perguntava. A resposta veio logo em seguida.
Os cabelos brilhavam ainda, apesar da ausência de vida naquele corpo. Era a defunta mais bela que eu já havia visto. Sabrina. Por um momento delirei com a presença dela ali, como se preenchesse uma lacuna criada pela falta de pessoas com quem eu pudesse me relacionar tão bem como com ela, no recente passado. Puro delírio, afinal ela estava morta, e quando notei o óbvio, me irritei com aquela situação.
Uma vez ouvi falar que o pecado bate à porta. No meu caso, ele entrou sem permissão e passou a viver comigo. Não aguentava mais esse ritual piegas. Gritei para o alto, aceitando e confessando o meu pecado (EU A MATEI!). Era um fato. Cansado de me arrepender tantas vezes, minha vida era um “saco”, ela não merecia tal morte, eu sei, mas eu faria tudo de novo. Sou egoísta como todo ser humano. Quero o meu bem. Não confio em ninguém. A morte dela foi um pequeno borrão numa bela pintura que eu começara. A partir dali, minha obra de vida seria bela. Mais bela que a própria Sabrina.
Arrastei aquele corpo enfadonho por uma distância a qual não havia reparado percorrer. Ainda bem que aquele cadáver não falava, ou eu o faria calar. Queria mesmo é acabar com aquilo tudo, e dar o destino que fosse. Aposto que ela estava vivendo uma boa vida, lá onde eles chamam, de paraíso. E eu ali naquele, literal, inferno. Talvez se ela tivesse vivido mais, perderia a chance da salvação de sua alma. O corpo jazia ali, mas creio sua alma perambulava pelo céu. Agradecer-me era o mínimo que ela, de forma justa, deveria fazer, ou ter feito.
Assim que estacionei com o peso morto, Sabrina, em frente à arvore, minha reação automática foi a de alívio. Cria eu que aquele era o fim do ecúleo. Engano meu.
-Sente e aguarde. Num tom, pouco simpático, ordenou a minha ação.
Como eu nunca havia visto uma árvore que falava, duvidava que se alguém a visse, não faria o que ela pedisse. Então, sentei.
O tempo passou, tão rápido como qualquer conclusão que tentava idear. De todas as possabilidades, só restava uma, mais razoável. A árvore comeria o corpo de Sabrina. E com certeza, assim, eu teria a permissão para ir embora dali. Eu sabia que era tudo um teste. Já conseguia até rir da situação, imaginando o momento em que contaria toda a aventura para meus avós, é claro, pois, como eu disse anteriormente, a morte dos meus pais seria inevitável assim que nos encontrássemos.
-Se levantem. Exclamou de forma imperativa e, no plural, porquanto eu não percebera o retorno de todos ao mesmo local, com seus respectivos defuntos.
-Gostaria de dizer que todas as suas deduções estão erradas, primeiramente. Todos vocês, obviamente, imaginaram inúmeras coisas. O fato é, esses cadáveres foram reunidos aqui, pois, esses serão os seus novos corpos. Para morar na Terra Vermelha, suas almas serão seladas nos corpos que vocês recolheram.
No momento em que ela disse: “Serão seus novos corpos”, garanto, já pensava em dar meia-volta, e talvez ficar perambulando por ali, procurando um meio de retornar. Algo que eu descartei assim que uma jovem, a três cadáveres de distância, se manifestou, rejeitando tal ordem, e por conseguinte foi consumida por uma das Valquírias que sobrevoavam o terreno.
-Alguém mais? Com um ar jocoso, questionou a árvore.
Ingênuo seria quem ousaria responder que, sim. Talvez fosse mais fácil ser engolido por uma aberração do que dar a sua vida a quem você matou. Eu deveria ter feito isso. Mas, faltou me raciocínio, e uma pitada de coragem.
Após a indagação da árvore pairar no ar, sem nenhuma resposta, sinalizando, então, uma concordância em comum, as Valquírias, após um assovio longo e irritante da árvore, elas desceram todas em um voo rasante e empurraram cada um de nós sobre os cadáveres à nossa frente, fazendo com que caíssemos contra eles, e, instantaneamente, nos fundíssemos aos tais.
-Divirtam-se! Com uma sensação de adeus, aconselhou a árvore, fechando sua boca, e levando dentro de si as aberrações.
Assim que dei a primeira piscadela, pude sentir de novo a sensação de estar vivo. Era algo refrescante. Tive vontade de gritar, pular. Uma alegria tomou conta da minha alma e, agora também, do meu corpo. Senti uma vontade descomunal em me tocar e, explorando meu novo corpo, despertei novamente para o pesadelo ao que fora empurrado. Agora eu era um menino num corpo de menina.